Pergunta:
Estamos num processo de construção/orientação do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo aos municípios. O Escritório Regional da Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social (SEDS-PR), também está orientando os municípios nesta construção de Plano.
A realidade enfrentada é de que vários outros Planos estão em processo de construção, tais como: Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente; e, Plano de Reordenamento dos Serviços de Acolhimento de Crianças e Adolescentes. Os municípios estão trabalhando, em grande parte, com equipes bastante reduzidas - mas estão tentando construir estes documentos.
A maioria dos Escritórios Regionais da SEDS-PR é formada por cerca de 20 municípios, sendo um de grande porte e os outros de pequeno porte. Estes pequenos municípios, que possuem demandas de 2, 1 ou nenhum adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas - que é algo muito distante do processo de elaboração deste plano socioeducativo.
Assim gostaríamos de iniciar uma discussão, acerca da realidade dos municípios pequenos, tendo em vista que os municípios estão compondo comissões intersetorias para elaboração do Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente que terá no seu conteúdo diagnóstico da realidade local, eixos que perpassarão por todas as políticas públicas, plano de ação pensando em todos os Direitos Fundamentais, assim, não poderia o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo ser um dos eixos (contendo: diretrizes, objetivos, metas, prioridades e formas de financiamento e gestão das ações) deste Plano Decenal atendendo, claro, todo o processo de publicização exigido no contexto de elaboração do Plano?
Resposta:
Um "Plano" não exclui os outros e, na verdade, eles se complementam.
O Plano Decenal "Geral" (se é assim que podemos chamar) não apenas deve englobar os Planos Decenais "Específicos", como é o caso do Plano de Atendimento Socioeducativo, mas também "harmonizá-los", de modo que se complementem e prevejam alternativas de atendimento para as mais diversas situações de violação de direitos que possam ocorrer.
Entendo mais adequado, no entanto, ao invés de partir do Plano "Geral", elaborar primeiro os Planos "Específicos" (como é o caso de "Plano de Atendimento Socioeducativo"), até porque estes possuem particularidades que devem ser analisadas com a cautela e profundidade devidas, sendo objeto de planejamento específico, que talvez não ocorra a partir de uma análise "genérica" da matéria.
Um bom exemplo disto é, justamente, o Plano de Atendimento Socioeducativo, que tem toda uma metodologia (e principiologia) definida(s) pela Lei nº 12.594/2012, assim como um "prazo fatal" (deadline) para sua conclusão expressamente estabelecido (prazo este que se encerra em meados de novembro do corrente - e, na forma do disposto nos arts. 28 e 29, da Lei nº 12.594/2012, pode levar à responsabilidade - e por improbidade administrativa de todos aqueles que contribuírem para seu descumprimento).
É absolutamente imprescindível, aliás, que as normas e princípios estabelecidos tanto pelas Leis nºs 8.069/90 (ECA) e 12.594/2012 (SINASE), quanto pela Resolução nº 119/2006 do CONANDA sejam observadas, pouco importando se estamos falando do atendimento de 1, 10, 100 ou 1000 adolescentes...
Na verdade, não é necessário que haja "demanda" (muito menos uma "demanda elevada") para que os Planos de Atendimento tenham de ser elaborados.
É preciso compreender que os Planos de Atendimento (tanto o "Geral" quanto os "Específicos") nada mais são do que a "tradução" (ou o "detalhamento") da "Política de Atendimento" à criança e ao adolescente que o Poder Público tem o DEVER legal e constitucional de instituir e manter com a mais "ABSOLUTA PRIORIDADE" e, como toda política pública que se preza, deve contemplar ações das mais diversas, a começar pela PREVENÇÃO de situações que podem levar à violação do direito que se propõe a preservar.
Um dos principais diferenciais entre o ECA e revogado "Código de Menores", aliás, é justamente a preocupação daquele com a PREVENÇÃO, de modo que o Poder Público (lato sensu) não tenha de esperar a ocorrência da violação do direito para somente então agir.
Assim sendo, não é preciso esperar que surja uma determinada situação de violação de direitos (ainda que em razão da conduta do próprio adolescente - cf. art. 98, inciso III, do ECA - como é o caso da prática de um ato infracional), para somente então agir - ou pior, começar a pensar no que fazer... De qualquer modo, sem prejuízo de ações de cunho preventivo, o município deve estar preparado para atender todo e qualquer caso de violação de direitos infanto-juvenis, sendo que os Planos de Atendimento (que possuem uma conotação mais "global" e "estruturante") devem ser complementados por "fluxos" e "protocolos de atendimento" intersetoriais/interinstitucionais, que contemplem - concretamente - as ações a serem desencadeadas, o "papel" de cada um dos "atores" corresponsáveis e tudo o mais que for necessário para assegurar um atendimento rápido, qualificado e eficaz.
Os Planos de Atendimento, em particular, devem contemplar desde ações de prevenção até o acompanhamento posterior de casos que vinham sendo atendidos e, aparentemente, foram solucionados (e mais uma vez a Lei nº 12.594/2012, em seu art. 11, inciso V, é um exemplo disto, deixando claro que a obrigação do Poder Público para com o adolescente vai "além da medida" socioeducativa em execução).
O fato de o município ser de pequeno porte e/ou haver "pouca (ou nenhuma) demanda", portanto, não autoriza o Poder Público local a deixar de elaborar o Plano de Atendimento Socioeducativo (e/ou o Plano Decenal "Geral" ou qualquer outro Plano de Atendimento específico), e o fato de as equipes serem "reduzidas", de modo algum pode servir de pretexto para implementação dos programas e serviços correspondentes.
Longe disto.
Como dito acima, é preciso ter em mente, antes de mais nada, que em matéria de infância e juventude vigora o "princípio da prioridade absoluta", que tem como consequência natural - e expressa - a "precedência de atendimento nos serviços públicos e de relevância pública", a "preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas" e a "destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude" (art. 4º, par. único, alíneas "b", "c" e "d", do ECA - como decorrência do art. 227, caput, da CF), razão pela qual cabe ao Poder Público organizar e adequar seus órgãos, programas e serviços ao atendimento prioritário e especializado de demandas envolvendo crianças e adolescentes (neste sentido, aliás, também dispõe o art. 259, par. único, do ECA).
Tendo em vista que, por princípio elementar contido no art. 100, par. único, inciso VI, do ECA, a intervenção do Poder Público deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida e, logicamente, deve ser adequada e capaz de neutralizá-la (além de o "princípio da eficiência" ser um dos princípios elementares que norteiam a atuação do Poder Público em geral, o art. 90, §3º, inciso II, do ECA faz expressa referência à necessidade de "qualidade e eficácia" dos programas de atendimento em execução), é fundamental que o número de técnicos e profissionais encarregados do atendimento de crianças, adolescentes e famílias seja suficiente à demanda (ou demandas) existente(s).
Como resultado, se o número de equipes é hoje reduzido, deve ser URGENTEMENTE AMPLIADO, e este, a propósito, é um dos objetivos do processo de elaboração dos Planos de Atendimento e seus desdobramentos: avaliar a adequação da estrutura de atendimento à demanda existente (presente e "projetada" para os próximos 10 anos) e, a partir desse "diagnóstico", prever a contratação e qualificação funcional de novos técnicos e profissionais encarregados do atendimento, tendo sempre por "norte", como mencionado, o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente.
Embora seja difícil mensurar, num primeiro momento, o "impacto" que o Plano de Atendimento irá causar (razão pela qual é fundamental a constante reavaliação de sua efetiva execução e eficácia), é certo que, se bem elaborados e executados, a "tendência" é que os Planos de Atendimento contribuam para redução da demanda a médio e longo prazos, o que, no futuro, pode levar a um "redirecionamento" do atendimento hoje prestado para ações voltadas cada vez mais à prevenção e/ou a alternativas de atendimento menos "invasivas".
Um exemplo disto é o atendimento de crianças/adolescentes em entidades de acolhimento institucional. É possível que, num primeiro momento, se constate a existência de uma demanda elevada mas, a partir da realização de intervenções voltadas à prevenção e à reintegração familiar, esta demanda seja progressivamente reduzida, o que somado à criação de alternativas de atendimento, como a guarda subsidiada e o acolhimento familiar, seja até mesmo "zerada" (o que seria o ideal), tornando necessário o redirecionamento dos programas de acolhimento institucional e equipes técnicas/profissionais neles lotadas para o atendimento de famílias em condição de vulnerabilidade e outras ações.
Assim sendo, o fato de haver poucas equipes não pode servir de pretexto para que os Planos de Atendimento deixem de ser elaborados e/ou deixem de contemplar as alternativas de atendimento devidas (é fundamental que o atendimento NÃO SE RESUMA a UM ÚNICO programa ou serviço, pois situações diversas exigem abordagens/intervenções também diversas), e se equipes técnicas tiverem de ser contratadas e/ou qualificadas para prestar o atendimento especializado de uma determinada demanda (como é o caso de adolescentes autores de ato infracional - como, aliás, exige o art. 12, da Lei nº 12.594/2012), isto deve ser providenciado.
O que não se pode admitir, em qualquer caso, é o "amadorismo" e o "improviso" que se tem visto em boa parte dos casos, com o atendimento de demandas de elevada complexidade sendo realizado sem o devido planejamento, de maneira meramente "formal", por profissionais que não possuem a devida qualificação funcional para prestar o atendimento individualizado, especializado - e muitas vezes "intensivo" - que muitos dos casos reclamam.
Falando em atendimento individualizado, quão menos crianças/adolescentes/famílias tiverem de ser atendidos, mais fácil será assegurar-lhes o atendimento individualizado que lhes é devido, o que também tornará mais fácil a apuração das "causas" dos problemas por eles suportados e, por via de consequência, seu enfrentamento e subsequente solução...
Longe de ser um "problema", a existência de uma demanda reduzida deve ser vista como uma OPORTUNIDADE, e nada impede que, quando do planejamento das ações a serem desencadeadas para sua efetiva e integral solução, seja prevista a possibilidade, por exemplo, de as equipes encarregadas do atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, no âmbito dos PROGRAMAS SOCIOEDUCATIVOS a serem criados (e deve ficar claro, desde logo, que este NÃO SE CONFUNDEM com o SERVIÇO DE ATENDIMENTO prestado pelos CREAS a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas), TAMBÉM atuarem na execução de ações de cunho PREVENTIVO (especialmente junto a escolas), ou mesmo de ALTERNATIVAS DE ATENDIMENTO (como é o caso da MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS - expressamente prevista no art. 35, incisos II e III, da Lei nº 12.594/2012), sem prejuízo do atendimento de CRIANÇAS autoras de ato infracional (que embora não estejam sujeitas a "medidas socioeducativas" devem receber um atendimento também individualizado e especializados) e dos PAIS/RESPONSÁVEIS...
Os órgãos e agentes encarregados de prestar o atendimento especializado a uma determinada demanda (como é o caso de adolescentes - e mesmo crianças - autores de ato infracional) podem - e devem - agir de forma ARTICULADA/INTEGRADA com os responsáveis pelo atendimento de outras, promovendo a chamada "integração operacional" prevista em dispositivos como o art. 87, incisos V e VI, do ECA.
Um exemplo "clássico" é o caso de adolescentes autores de ato infracional que estejam fora da escola e/ou tenham envolvimento com drogas.
Sem prejuízo da execução de "medidas socioeducativas" que possam vir a ser a eles impostas, é fundamental seu ATENDIMENTO IMEDIATO (independentemente de qualquer "medida" aplicada) por programas e serviços de EDUCAÇÃO e SAÚDE, que também devem estar inseridos no âmbito de POLÍTICAS PÚBLICAS ESPECÍFICAS (combate à evasão escolar/reintegração escolar e enfrentamento/tratamento à drogadição) que, por sua vez, também devem ser "traduzidas" em Planos de Atendimento que contemplem alternativas de atendimento...
Evidente que, em qualquer caso, para que os Planos de Atendimento (seja o "Geral", sejam os "Específicos") não se tornem meras "cartas de intenção" ou enunciados "vazios", é IMPRESCINDÍVEL que tenham o devido RESPALDO NO ORÇAMENTO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS ENCARREGADOS DE SUA EXECUÇÃO, e isto é algo que deve ser providenciado DESDE LOGO, a partir da ADEQUAÇÃO das PROPOSTAS DE LEIS ORÇAMENTÁRIAS PARA 2015 EM FASE DE ELABORAÇÃO que, como visto acima, devem respeitar o princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente...
Tenho certeza que vocês irão prestar aos municípios o suporte técnico que se fizer necessário para que os Planos de Atendimento a seu cargo sejam elaborados de forma adequada (de preferência, partindo do especial para o geral), efetuando os "alertas" devidos quanto à necessidade de adequação do orçamento público da referida "data limite" para elaboração/aprovação, sobretudo, do Plano de Atendimento Socioeducativo, independentemente da "demanda" existente.
Fiquem também à vontade para pedir auxílio ao nosso CAOPCAE quanto aos Promotores nas Comarcas, sempre que precisarem.
Na página do CAOPCAE/PR na internet, temos muito material que pode lhes auxiliar neste sentido, que pode ser repassado, se for o caso, com cópia até mesmo desta consulta, a todos a quem interessar.
Espero ter podido ajudar.
Murillo José Digiácomo
Curitiba, 10 de dezembro de 2014